31/01/2013

SOBRE A TRAGÉDIA NA CIDADE DE SANTA MARIA

SEGUE RELATO DO PASTOR VILSON REGINA:

     Madrugada inesquecível: 27 de janeiro de 2013. A partir das 2h45min., as sirenes de ambulâncias, da polícia e dos bombeiros, ecoaram sem parar por toda a cidade, revelando que algo muito grave estava acontecendo. Mesmo quem possui um espírito mais suscetível ao alarme, não poderia dimensionar a gravidade do sinistro que ocorria no clube noturno KISS – que abrigava uma multidão de pessoas, a maioria jovens, que buscavam momentos de lazer e diversão, após uma semana de trabalho e/ou estudos.



     Nosso apartamento fica há menos de três quadras do local em que ocorreu essa tragédia. Mesmo assim, olhando pela janela e sacada, não era possível identificar onde estaria acontecendo algo estranho, posto que o Samu, outras ambulâncias, bombeiros e polícias, tomavam direções diversas pela cidade – na direção de todos os hospitais e postos de Pronto Atendimento. Algumas horas depois, os meios de comunicação deram o alarme. Mas foi só pela manhã que surgiram informações que alertaram para a gravidade do incêndio na boate KISS – o que nos levou a preocupar-nos com muitas pessoas e seus filhos, conhecidos nossos, alguns amigos mais chegados.
     Preocupou-nos, inclusive, a possibilidade de que alunos nossos (da Ulbra SM) e também filhos de membros das nossas Congregações estivessem envolvidos nesse terrível episódio. Sofremos, por instantes, a dor da possibilidade de que nossa filha estivesse lá... mas ela estava em sua residência, e demos graças a Deus por isso. Mas, então, decidimos canalizar nossos esforços para servir de suporte a quem precisaria (e muito!) de nós e de muitos mais.
     Recebemos um telefonema de Uruguaiana – da parte de D. Gladis Lemos Karsburg, preocupada com o filho, sabendo que ele tinha ido à festa da Agronomia (da UFSM) que acontecia na boate KISS, e que não respondia às suas chamadas pelo celular nem pelo telefone residencial. Fomos até seu apartamento e lá no prédio soubemos que ele (Leonardo) e a namorada (Julia) tinham de fato ido a essa festa e que não havia respostas pelo telefone do apartamento nem pelo celular. A essa altura, o pai do Leonardo (Sr. Luiz Alberto) já estava a caminho de Santa Maria. Ligamos para ele e informamos que estaríamos no Ginásio Municipal (CDM) participando de uma força-tarefa e que ele nos ligasse, ao chegar, para que pudéssemos ajudá-lo no que fosse possível. E assim fizemos por muitas horas. Centenas de pessoas se aglomeravam nas arquibancadas e na pista de um dos prédios do CDM à espera de que o nome de seu filho ou filha NÃO aparecesse na próxima chamada, sempre de 10 em 10 nomes, para reconhecimento do corpo e lavratura do Atestado de Óbito. Ao mesmo tempo, também próxima de nós, D. Fátima Estivanin (da Congr. Ev. Lut. Cristo) aguardava pelo nome de Kelen Favarin, sua vizinha e “filha do coração”, estudante do curso de Direito da Ulbra SM e amiga de nossa filha, Alline.
     Já passava das 14h, quando o pai da namorada do Leonardo (Flávio Lentz) encontrou-se com o pai do namorado de sua filha (Luiz Alberto). Os dois se conheceram na dor da perda de seus filhos (Julia e Leonardo). Posicionei-me ao lado dos dois e não disse nada, só os abracei.
    Pouco depois, foi anunciado o nome de Leonardo Lemos Karsburg. A Polícia Civil fazia o encaminhamento do familiar ao local de reconhecimento do filho no prédio em frente ao Ginásio. Apresentei-me com ele e o acompanhei até a entrada do prédio, onde o Exército não permitia a entrada de ninguém, exceto a do familiar apto ao reconhecimento. Após o reconhecimento, o familiar aguardava a lavratura do Atestado de Óbito num prédio anexo, onde podiam entrar médicos, psicólogos, enfermeiras e assistentes sociais. Ali me posicionei para de novo oferecer amparo ao nosso amigo e irmão em Cristo, Luiz Alberto Karsburg. O Sr. Flávio Lentz novamente apareceu para se solidarizar com o Sr. Luiz Alberto e ambos buscaram conforto nos braços e no abraço um do outro. Assegurei ao Sr. Lentz que, assim como faria pela família Karsburg, nos lembraríamos por muitos dias dele e de seus familiares em nossas orações.
     A essa altura, chegava a Santa Maria a D. Gladis, mãe do Leonardo, ainda sem saber dos fatos. O Sr. Luiz pediu-me que fosse ao encontro de sua esposa para auxiliá-la, porque ele ficaria amparado por um amigo de Uruguaiana, Sr. Enedir que estava ali, ao seu lado.
Fomos, então, até o lugar que recebia D. Gladis e confirmamos a notícia que ela temia ouvir e que nos custava tanto ter de dizê-la. Após ficarmos ali por cerca de 40 minutos, propusemos que todos fossem ao nosso apartamento, onde mais tarde, após liberação do corpo para traslado, o Sr. Luiz Alberto nos encontraria.
     Por volta das 19h, o Sr. Luiz Alberto e seu amigo, Enedir, chegaram ao nosso apartamento, e então propusemos um lanche, aos que quisessem, e Ana sequência um momento de reflexão e oração, antes de empreenderem viagem a Uruguaiana. Quando eles iniciaram a viagem, pedi ao Rev. Peterson Machado (que me havia ligado de Candelária, colocando-se à disposição) para que viesse ocupar o lugar que deixaria vago, porque decidimos acompanhar a família Karsburg até Uruguaiana e dar-lhe suporte até a hora do sepultamento. O avô desse jovem falecido é o Sr Lorenço Karsburg, um dos fundadores, comigo, da Congr. Paz de Cristo.
     Antes de viajarmos a Uruguaiana, fomos ao velório de Kelen Aline Karsten Favarin, aluna do curso de Direito da Ulbra SM, num templo da Igreja Católica, onde mais dois jovens também estavam sendo velados.
     Chegados ao templo em Uruguaiana, nos juntamos ao Rev. Igor Schreiber, que interrompeu férias para presidir essa cerimônia, e diante de uma multidão de pessoas, anunciamos a única palavra capaz de produzir alívio efetivo e esperança, a palavra de nosso misericordioso Deus. Salientamos que, em qualquer situação e mesmo diante do espectro da morte, o Senhor é Senhor da VIDA! E o Senhor da VIDA – que experimentou a nossa dor maior – assegura-nos: “aquele que vive e crê em mim, ainda que morra, TORNARÁ A VIVER E VIVERÁ eternamente!” A parede, acima do altar, pregava por si mesma: O JUSTO VIVERÁ POR FÉ (Rm 1.17). Por instantes, o choro acalmou e deu lugar a uma reflexão calma e profunda acerca dos caminhos de Deus, muitas vezes incompreensíveis, mas sempre para o nosso BEM-ESTAR físico, psíquico e espiritual. Transmitimos aos familiares as condolências da Diretoria Nacional da IELB – que nos foi transmitida por celular pelo 1º Vice-Pres. da IELB. Pr. Arnildo Schneider, em nome do Pres. Egon Kopereck, bem como pelo Pr. Mário Lehenbauer (Coord. Projetos da IELB), pelo Capelão Geral da ULBRA, Pr. Lucas Albrecht, e pelo Diretor da Ulbra SM (Augusto Frederico Kirchhein).
     Enquanto isso, em Santa Maria ocorria mais de uma centena de sepultamentos, e algumas dezenas em várias cidades do Rio Grande do Sul e até de outros Estados. O Pr. Elmar Regauer, da Congr. Cristo, também interrompeu suas férias para oferecer suporte espiritual a várias pessoas, muitas delas que ele não conhecia. Ele oficiou a cerimônia fúnebre da jovem Erika Sarturi Becker, filha de Léo Carlos Becker e Mauren Sarturi, membros da Congr. Ev. Luterana de Jaguari, e de outra pessoa desconhecida, cujos familiares aceitaram a ajuda oferecida. O teologando, estagiário Juan Nogueira, oficiou a cerimônia fúnebre da jovem Kellen Pereira da Rosa - cuja família tem recebido instrução religiosa na Congr. Ev. Luterana ‘Jesus’ de Santa Maria. E o Pr. Peterson Machado visitou a família de Andressa Ferreira Flores, estudante de Estética e Cosmética da Ulbra SM, oferecendo suporte espiritual aos familiares e amigos.
     Agora será preciso oferecer suporte espiritual e psicológico por várias semanas a muitas pessoas. Uma de nossas concluintes do curso de Estética e Cosmética da Ulbra SM, Sra. Márcia Helena de Oliveira Salla, perdeu dois filhos (Marcelo e Pedro) e se encontra em choque neste momento num dos hospitais da cidade. Procurarei oferecer a ajuda que for possível dar neste momento.
Está previsto uma Cerimônia Religiosa Ecumênica para a próxima segunda-feira, 04/fevereiro, às 09h, na UFSM. Coloquei-me à disposição para participar da mesma e estou aguardando confirmação de participação. De qualquer modo, decidimos adiar mais uma vez as férias para estarmos presentes a esse momento de reflexão e de oração pelos familiares e amigos de tantas pessoas que protagonizaram uma das maiores tragédias da história recente de nosso país.
     Creio ser oportuno, nesta hora, especialmente para a população luterana, a forte recomendação de que, quando seus filhos, jovens cristãos luteranos, se deslocam para Santa Maria ou qualquer outro grande polo educacional, com a intenção de fazer cursinho e vestibular para ingressarem nas Universidades locais, que a sua integração e participação nas Congregações luteranas também façam parte da logística das famílias. É importante viabilizar seus estudos com aluguel ou compra de apartamento, com transporte e, em muitos casos, com emprego, para complementar o seu sustento, quando os pais não puderem fazê-lo integralmente. Mas o aspecto espiritual precisa de cuidados ainda maiores. Em horas como essas que todos presenciamos, estarrecidos e entristecidos, mais uma vez foi possível ver a importância da fé em Cristo, nosso maior capital.



Atenciosamente, em Cristo,

Pr. Psic. Vilson Regina

Pastor-capelão da Ulbra Santa Maria



Santa Maria, 29 de janeiro de 2013

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