14/11/2012

A oferta cristã




O apostolo Paulo, segundo a tradição de interpretação bíblica de seu tempo, muitas vezes citava duas ou mais passagens do Antigo Testamento sobre um mesmo assunto, num mesmo versículo. Esse é ocaso nesta passagem bastante conhecida do apóstolo, sobre ofertar com liberdade e alegria: “Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama quem dá com alegria” (2 Co 9.7).




Os dois versículos citados pelo apóstolo são, respectivamente, Deuteronômio 15.10, “livremente, lhe [ao teu irmão pobre] darás, e não seja maligno o teu coração, quando lho deres”; e Provérbios 22.8,9, que Paulo cita, aparentemente, segundo a tradução grega: “Deus bendiz ao doador alegre”.

A mudança do verbo “bendizer” para o verbo “amar” pode ser devida a uma variante da tradução, conhecida por Paulo e pelos cristãos de Corinto, que se perdeu. A frase, que se encontra na tradução grega já no v. 8, antecipa de modo enfático o louvor de Deus ao doador generoso que lemos no v. 9:“o generoso será abençoado porque dá do seu pão ao pobre”. O que ama o pobre, e dele se compadece, tem a promessa de que Deus também o amará e o abençoará.

A frase “Deus ama quem dá com alegria” tem, portanto, um sentido muito concreto, a saber: Deus abençoa os seus servos que voluntária, alegre e generosamente socorrem os irmãos necessitados.

Não devemos entender o versículo como se pudéssemos adquirir o amor de Deus com nossas ofertas. Isso contraria todo o ensino bíblico sobre as ofertas, como lemos no Salmo 50.12: “o mundo é meu e quanto nele se contém”.

O versículo deve ser entendido no seu contexto e à luz das passagens do Antigo Testamento citadas por Paulo. Essas passagens (Dt 15.10 e Pv 22.8,9) fundamentam o ensino do apóstolo sobre a oferta, não só nessa, como em outras passagens, como veremos a seguir.

Paulo, como sabemos, estava organizando uma grande coleta para ser levada em socorro dos cristãos pobres de Jerusalém: “porque aprouve à Macedônia e à Acaia levantar uma coleta em benefício dos pobres dentre os santos que vivem em Jerusalém” (Rm 15.26).

O contexto das passagens citadas por Paulo (Dt 15.10 e Pv 22.8,9) é semelhante às seguintes citações:

- Moisés ensina o povo de Israel para que, uma vez na terra prometida, o que prosperou não se esqueça do que empobreceu. Porém, a verdadeira ajuda não vem da obrigação, pois um “coração maligno” (v. 10), que não tem compaixão do irmão pobre” (v.10), nãopode agradar a Deus. O que maldizo pobre nãoserá abençoado, mas o que ama e socorre o pobre será amado e abençoado por Deus (v. 10).

- Jesus também cita essa mesma passagem quando diz: “porque os pobres, sempre os tendes convosco” (Mateus 26.11). E o mandamento do Senhor no passado e ainda hoje é esse: “eu te ordeno: livremente, abrirás a mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre na tua terra” (Dt 15.11).

- Salomão, no livro dos Provérbios, ensinou que, no mundo, “o rico domina sobre o pobre”, mas para Deus, que vai julgar a todos,“o generoso será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre”(Pv 22.7,9). Novamente, ao que ama o pobre e dele se compadece, e não o escraviza nem o domina, a esse Deus também ama e abençoa.

-Paulo, logo após afirmar que Deus ama e abençoa aquele que, por sua vez, também ama e abençoa o irmão pobre, continua dizendo: “Deus pode fazer-vos abundarem toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra,como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre” (2 Co 9.8-9).

Os mesmos dois versículos citados por Paulo (Dt 15.10 e Pv 22.8,9) fundamentam, igualmente, as seguintes afirmações do apóstolo sobre a oferta voluntária e alegre:
- 2coríntios 8.2-3: “porque, no meio de muita prova de tribulação, [as igrejas da Macedônia] manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade. Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntários”.

- Filemom 14: “nada, porém, quis fazer sem o teu consentimento, para que a tua bondade não venha a ser como que por obrigação, mas de livre vontade”.
- Gálatas 6.6,7: “Mas aquele que está sendo instruído na Palavra faça participante de todas as coisas boas aquele que o instrui. Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também colherá”.

- 1 Timóteo 6.17,18: “Exorta aos ricos do presente século [...] que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir”. Ao aplicar os mesmos versículos bíblicos do Antigo Testamento para fundamentar o socorro aos pobres e a oferta para manutenção dos ministros, Paulo aponta para dois tipos de “pobres” na Igreja. Primeiro, os necessitados – os enfermos, os idosos, os órfãos e as viúvas,mas também os que perderam a colheita, que foram vítimas de roubo e,ainda, os perseguidos e abandonados por causa de sua fé no Evangelho de Cristo.

Segundo, aqueles que voluntariamente se fizeram pobres por amor do Evangelho, começando pelo Salvador Jesus: “conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2 Co 8.9).

Os ministros do Evangelho são credores de nossa boa vontade, não porque sejam necessitados, mas porque atenderam o chamado do Senhor Jesus Cristo. Assim aconteceu com Mateus: “Quando [Jesus] ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu” (Mc 2.14).
Assim também aconteceu com Pedro, André, Tiago e João: “Caminhando junto ao mar da Galileia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então, eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram. Passando adiante, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco em companhia de seu pai, consertando as redes; e chamou-os. Então, eles,no mesmo instante, deixando o barco e seu pai, o seguiram.”

E Jesus os enviou, depois, dizendo: “Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos; nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento” (Mt 10.9,10). Barnabé seguiu o exemplo dos apóstolos:

“José, a quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho de exortação, levita, natural de Chipre, como tivesse um campo, vendendo-o, trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos”(At 4.36,37). E Paulo descreve a si próprio e aos demais apóstolos e evangelistas com sendo “pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo” (2 Coríntios 6.10). Paulo recomenda na igreja os cooperadores e obreiros que “se consagraram ao serviço dos santos” (1 Co 16.15-18).

É justamente de Paulo um dos mais belos textos poéticos sobre a confiança em Deus daquele que se fez pobre por amor do Evangelho de Cristo: “Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor porque, agora, uma vez mais, renovastes a meu favor o vosso cuidado; o qual também já tínheis antes, mas vos faltava oportunidade. Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.10-13).

Conclusão

Assim como Deus ama e abençoa o que abre a sua mão em favor dos necessitados, Deus também ama e abençoa os que de livre vontade, com alegria e generosidade contribuem para o sustento dos ministros do Evangelho.
As promessas de Deus para os de coração alegre, voluntário e generoso são firmes e são fiéis: “não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos” (Gl 6.9). E, ao lado das promessas, temos o mandamento: “Assim ordenou também o Senhor aos que pregam o Evangelho que vivam do Evangelho” (1Co 9.14). Finalmente, ao lado das promessas e do mandamento de Deus, devemos considerar, também, a nossa própria necessidade: “fostes instruídos por Epafras, nosso amado conservo e, quanto a vós outros, fiel ministro de Cristo” (Cl 1.7).

A oferta cristã é um exercício livre, generoso e alegre de nossa fé e confiança em Deus, na qual praticamos a sinceridade de nosso amor para com Deus em favor dos pobres e necessitados por um lado, e em favor dos ministros de Cristo por outro: “os pobres, sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes” (João 12.8).

Toda a nossa oferta é para Cristo, seja ela para socorro dos necessitados, seja ela para manutenção dos ministros do Evangelho, pois tanto um como o outro são o sinal da presença de Jesus entre nós: “a mim o fizestes” – “a mim o deixastes de fazer” (Mt 25.40,45).

Oração

Amado Pai Celestial, nosso Criador, de tuas mãos recebemos diariamente, como dádiva gratuita, a vida e todas as bênçãos. Que o nosso coração possa, movido pelo teu amor e pela generosidade de tuas bênçãos, que não merecemos, amar e compadecer-se dos necessitados deste mundo, bem como amar e honrar os ministros de tua Santa Palavra. Que possamos, guiados pelo Espírito Santo, o Senhor e Doador da Vida, também fazer de nossas vidas um constante servir e doar com alegria e generosidade. Em nome de teu Filho Jesus Cristo, que sendo rico se fez pobre por amor de nós, para que fossemos herdeiros do tesouro eterno, a vida em comunhão contigo, sob a tua bênção, e acolhidos no teu amor paternal. Amém.
Luisivan Vellar Strelow

Estudo 12, Caderno PEM, 2012
Rev. Leonidio Schulz Görl

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